Por Allan Marques
Na terceira parte de O Livro dos Espíritos, ao tratar “Das Leis Morais”, Allan Kardec nos apresenta a chamada Lei de Sociedade. De forma muito objetiva, os Espíritos do Senhor nos informam que Deus fez o homem para viver em sociedade e que, devendo progredir, sozinho, isto não lhe é possível, pois, no isolamento ele se embrutece e definha. Pois bem, se a lei divina nos aponta para a interação com o outro, por que vivemos uma “pandemia” de solidão?
Elucida Joanna de Ângelis, na magnífica obra “O Homem Integral”, que a solidão é, na atualidade, um dos mais graves problemas que desafiam a cultura e o homem. De fato, na introdução de “O dilema do porco espinho”, o historiador Leandro Karnal informa que o governo da então primeira-ministra britânica Theresa May chegou a criar o “Ministério da Solidão”, o que levou o professor brasileiro a questionar no referido livro o que estaria acontecendo no mundo para que o combate à solidão virasse uma política de Estado?
Sim, vivemos em um período, no mínimo, intrigante! Somos bilhões de criaturas reencarnadas no planeta Terra convivendo umas com as outras, ao mesmo tempo em que observamos a imensa massa de solitários, caminhando angustiados e receosos, à procura de algo que não se consegue explicar ou definir. Assunto de magna importância a ser tratado em todos os âmbitos, especialmente o familiar, já que milhares dos que se dizem em solidão estão inseridos em agrupamentos que, de alguma maneira, falharam em sua proposta de entendimento e agregação.
Interessante, como nos aponta Karnal, destacar que solidão é distinta do simples fato de estar sem alguém por perto. Ela não envolve, como afirma o autor, apenas companhia ou falta dela. A “neurose da solidão”, segundo a mentora do querido baiano Divaldo Franco, é doença contemporânea, que ameaça o homem distraído pela conquista dos valores de pequena monta, porque transitórios. Perdemos o endereço de nós mesmos, na correria desabalada por coisa nenhuma, e caímos, tristes e insatisfeitos, pois que o essencial, esquecido ao longo do caminho, agora nos falta!
E no século XXI ainda percebemos um agravante: o impacto das relações virtuais mal trabalhadas. Estamos todos conectados, porém a presença física do outro, que muitas vezes tentamos deixar “seguramente” afastado, já nos incomoda, pois temo-nos habituado ao cômodo “distanciamento” que não nos permite perceber e trabalhar as emoções produzidas pelo contato com alguém. Algo que ficou ainda mais patente com a eclosão da pandemia do novo coronavírus, já que, os níveis alarmantes de depressão, ansiedade e outros distúrbios de natureza psíquica apontam para uma coletividade adoecida, mas que, por sua natureza competitiva, não oferece a devida atenção e cordialidade de que o outro necessita, inclusive no seio familial.
É claro que o silêncio, o isolamento espontâneo, são muito saudáveis para o indivíduo, podendo permitir-lhe reflexão, estudo, autoaprimoramento, revisão de conceitos perante a vida e a paz interior, como afirma Joanna. É a necessidade de ficarmos sozinhos, de nos recolhermos para refletir sobre o que estamos fazendo aqui na Terra. O problema não é a interiorização voluntária, mas a fuga pela falta de coragem em se enfrentar os desafios nas relações e a solidão imposta pelo abandono dos familiares e dos amigos, como destaca Lucy Ramos, em Folhas de Outono.
Receamos nos abrir para o mundo e ao mesmo tempo temos medo da solidão! Mais uma vez buscando subsídios em “O Homem Integral”, encontramos a proposta muito conhecida de que o homem solidário jamais se encontra solitário, ao contrário do egoísta que nunca está solícito, por isto, sempre atormentado. É imperioso trabalharmos incessantemente a fim de vencermos o “dragão” do egoísmo, recordando, porém, que ao se investir na fidelidade à fé (Messe de Amor) e a Jesus, caminharemos, muitas vezes, em soledade, já que não nos compreenderão os companheiros, fazendo-nos pensar que, por nos demorarmos no posto do dever, estamos desajustados no mundo hodierno…
O tema é atualíssimo e comportaria muitas análises a seu respeito, mas, ao concluirmos esta breve reflexão, guardamos a certeza de que o caminho para a superação deste desafio, que é a solidão, reside na percepção segura de nossa filiação divina e na confiança em nossos valores, o que pode e deve ser estimulado pela família que nos acolhe. O grupo familiar tem, pois, alta soma de responsabilidade neste processo de apoio que nos devemos uns aos outros, necessitando atuar desde já a fim de estimular os potencias sagrados em seus membros para que cada um, percebendo-se filho mui amado de Deus, caminhe com segurança, vencendo a solidão.
O AUTOR
Secretário e Coordenador da Área da Família da FEMAR. Trabalhador da área de Estudo. Vice-presidente do Centro Espírita Luz, Caridade e Amor, em São Luís-MA, onde colabora nas áreas de Estudo, DIJ e Comunicação. Expositor espírita.