Por Fabio Souza de Carvalho
À medida que o movimento espírita se azafama[1] com o natural dinamismo dos tempos modernos, surge-nos o inadiável dever de reflexão a respeito do diálogo de Jesus com Marta registrado por Lucas.
Conforme as narrativas do Evangelista, “estando em viagem, entrou [Jesus] num povoado, e certa mulher, chamada Marta, recebeu-o em sua casa. Sua irmã, chamada Maria, ficou sentada aos pés do Senhor, escutando-lhe a palavra. Marta estava ocupada pelo muito serviço. Parando, por fim, disse: ‘Senhor, a ti não importa que minha irmã me deixe assim sozinha a fazer o serviço? Dize-lhe, pois, que me ajude’. O Senhor, porém, respondeu: ‘Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas; no entanto, pouca coisa é necessária, atém mesmo uma só. Maria, com efeito, escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada’”. (Lc 10:38-42)
Seguindo a mesma esteira evangélica, Frederico Figner, sob o pseudônimo de Irmão Jacob, na obra “Voltei”, psicografada por Francisco Cândido Xavier, assim nos adverte: “Não se acreditem quitados com a Lei, por haverem atendido pequeninos deveres de solidariedade humana […]. Espiritismo não é somente a graça recebida, é também a necessidade de nos espiritualizarmos para as esferas superiores”.
Entretanto, nada obstante as recomendações do Mais Alto, testemunha-se a estafa de homens e mulheres que se dedicam sobremaneira à divulgação do novel espiritualismo e às atividades de assistência e promoção social espírita, sem, contudo, gozarem do hausto[2] divino e, por conseguinte, dos enlevados estados de paz.
Jesus obtempera[3] a Marta que ela estava afadigada com muitas coisas, inferindo-lhe que poucas são realmente necessárias. Não recomendava, com isso, a inação ou o comodismo, mas a compreensão de que, nos refolhos[4] da alma, devemos nos ater a um desiderato em especial: a nossa comunhão com Deus.
Sem nos apercebermos, trazemos as dimensões de horizontalidade da caverna a que estamos jungidos[5], muito próprias do paradigma materialista que ainda nos orienta, para as tarefas luminosas a que somos chamados a realizar na Vinha do Senhor.
Abatidas, muitas criaturas, que se acreditavam mergulhadas no éter dos altiplanos espirituais, desertam do trabalho santificador, estonteadas[6] pela exaustão da alma que não soube se movimentar em direção a Jesus.
Neste viés, oportuna é a lição de Amélia Rodrigues, em sua “Primícias do Reino”, pela psicografia de Divaldo Pereira Franco: “A busca incessante da verdade, em permuta entre as coisas múltiplas pela aquisição de uma só paz interior com segurança espiritual, eis a vertical libertadora”.
Seja qual for a empreitada a ser realizada, dentro ou fora do movimento espírita, jamais olvidemos que “uma só coisa é necessária”, e que o fim último de nosso programa na Terra é a nossa adequação aos desígnios do Todo-Poderoso, a fim de avançarmos no roteiro traçado pela divina Lei, em total sintonia com o Celeste Instrutor da humanidade.
Para quem segue vivendo Jesus e em harmonia com os mandamentos do Excelso Criador, o trabalho, que para alguns poderá parecer extenuante[7], se manifestará como a ágape[8] renovadora e a epifania[9] auspiciosa[10], laureando os mesteirais[11] da boa nova com os tesouros imperecíveis do amor de Deus.
O AUTOR
É Secretário da Comissão Regional Nordeste (FEB/CFN) e Diretor de Unificação da Federação Espírita do Maranhão (FEMAR).
[1] Azafamar: 1. tornar(-se) mais rápido, mais ágil; apressar(-se); 2. sobrecarregar(-se) de tarefas; 3. pôr em azáfama; alvoraçar, agitar
[2] Hausto: 1. aspiração longa, profunda; ação de sorver o ar dessa maneira; sorvo; 2. porção de ar que se sorve nessa aspiração; 3. porção de bebida que se ingere de uma só vez; gole, trago; 4. medicamento que se bebe; 5. energia, força que se comunica
[3] Obtemperar: 1. argumentar com humildade e moderação; ponderar; 2. pôr-se de acordo; assentir, aquiescer
[4] Refolho: 1. folho sobreposto a outro; dobra, prega, refolhamento; 2. fingimento, dissimulação; 3. as partes mais profundas, mais secretas da alma
[5] Jungir: 1. Promover a junção de; juntar, unir, ligar; 2. Submeter através da força, agrilhoar
[6] Estonteado: 1. aturdido, desnorteado, desorientado; 2. deslumbrado, maravilhado
[7] Extenuante: que extenua, exaure, debilita; extenuador, extenuativo
[8] Ágape: 1. festa dos primitivos cristãos que consistia em uma refeição comum com a qual era celebrado o rito eucarístico; 2. banquete ou almoço de confraternização por motivos diversos; 3. uma das antigas designações da eucaristia; 4. esmola entre os primitivos cristãos
[9] Epifania: 1. festa cristã que comemora o batismo de Cristo e também as bodas de Caná; 2. comemoração, na igreja ocidental, do episódio dos Reis Magos, como ocasião da primeira manifestação de Cristo aos gentios; 3. aparecimento ou manifestação reveladora de qualquer divindade
[10] Auspicioso: de bom agouro; que gera esperanças; prometedor
[11] Mesteiral: 1. Indivíduo de profissão manual; artífice, mesteireiro, mester; 2. Relativo a mester