*Marta/Marcel Mariano
Dentre as grandes dores que atingem o coração da criatura humana está a separação compulsória dos afetos pela morte. A filha dedicada que contempla a mãe seguir para a vida espiritual, o genitor afetuoso que sepulta os filhos dilacerados pelo acidente de automóvel, o esposo ou esposa que se dobra à beira do sepulcro, ralado de dor ante a separação repentina do seu grande afeto são cenas que assinalam todos os tempos, produzindo grande impacto emocional nos seres que verdadeiramente se amam.
Vencidos pela dor e agora castigados pela saudade, nada mais resta a estes sofridos viajantes do carreiro terrestre senão continuar vivendo, à espera de um hipotético reencontro para além das cinzas frias a que se reduziu o ser idolatrado.
Tudo passa a ser nostalgia, doloridas lembranças. Entretanto, se as atuais religiões disponíveis no cenário da vida comum somente ofertam palavras formatadas e convencionais como veículo de consolação, a mais de um século e meio o estudo e a prática da mediunidade, ou do intercâmbio entre os Espíritos e os homens, ganhou vulto a partir de Paris e estabeleceu incessante correio entre as duas esferas existenciais. Volveram da vida espiritual os que partiram, dando incontestáveis testemunhos de sua sobrevivência após a extinção do veículo físico pela morte.
Declararam-se moradores da realidade extrafísica, igualmente cheios de saudades dos amores que ficaram no mundo.
Trouxeram notícias de outros parentes ignorados ou deslembrados.Fizeram-se identificar nas suas missivas afetuosas por detalhes somente conhecidos dos destinatários destas cartas de amor.
E com esse expressivo correio fraterno fizeram secar as lágrimas em muitos olhos abatidos. Levantaram as esperanças nos combalidos e nas vítimas da saudade atroz. Devolveram alegria e confiança aos ergastulados no escafandro carnal, sinalizando a estes que a morte é simples equívoco de nossos parcos sentidos de observação, pois que a vida estua plena em toda parte. E que eles, nossos parentes e amigos, amores e afetos mais caros, estão vivos em outra dimensão, a nos acompanhar de perto a jornada material, nos ofertando, tanto quanto o permitem as condições evolutivas, inspiração nos momentos difíceis e apoio nos testemunhos da vida material.
Não nos deixaram de amar porque hajam sido desalojados do carro orgânico. Não se tornaram despossuídos de afeto após a inadiável viagem ao país da luz.
Em te vendo abruptamente divorciado deste ou daquele ser querido, ora em gratidão por teres fruido de sua companhia, tenha sido ela curta ou longa. Evoca os momentos alegres experimentados. Se parente próximo, doa aos mais carentes os bens materiais que o extinto tenha deixado inútil em armários e gavetas, realizando em nome deste a caridade de auxiliar os necessitados do mundo.
E cumpre com teus deveres, honrando a memória dos entes queridos, guardando a iniludível certeza de que eles prosseguem vivos, apenas te rogando em silêncio que confies e prossiga servindo e amando, aguardando notícias breves ou o reencontro mais tarde, além da neblina fisiológica, a ocorrer no continente onde não existe a palavra saudade.
Jesus chorou quando soube da morte de Lázaro, e por muito o querer bem, refez seus tecidos apodrecidos na catalepsia e o brindou com nova moratória no corpo. Resgatou a filha de Jairo do estado comatoso que a prostrara, tida como morta pela ignorância da época, enchendo aquele lar de renovada alegria.
Foi Ele que nos garantiu ter vindo para nos dar vida, e vida em abundância.
Estamos todos vivos, ora no corpo ou fora dele.
Inocula bom ânimo em teu viver, bebe na fonte da água lustral de tua própria imortalidade e avança, confiante e otimista, certo de que o amor não se interrompe com a degradação orgânica, à semelhança de semente desprezível lançada em solo abandonado. Adormecida em cova escura, ressurge ao sol da primavera, fazendo brotar flores de alegria e esperança, a espargir suave perfume de fé raciocinada em torno da vida.
Comovido em certo trecho de sua jornada iluminativa, diria a plenos pulmões o doutor da lei Saulo:- Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?
Salvador-BA, 24 de agosto de 2020
Marta é autora espiritual. Marcel é trabalhador da Federação Espírita da Bahia (FEEB) e do Centro Espírita Caminho da Redenção. É voluntário da Campanha Você e a Paz.